sábado, 27 de junho de 2009

Eu: Letras




Leticia Brito


Quando a sensação de perda de tempo é maior do que o desejo de não odiar,
como fazer para não transformar o que era um bonito sentimento em puro rancor e menosprezo?
Você me transformou em letras, todas suas, todas sujas. Em nome da sua nobre literatura me transformou na imagem ideal de amada imortal.
Mas que amor foi esse que me destes, um amor doído feito a peste, que mais me feriu do que me fez bem.
Em teu mundo irreal fui poesia, verso, me transformei em flores, criei asas, voei, dei sentido ao teu existir espiritual. Na vida real, mãe do teu filho, mulher dificil, alvo de seus momentos de raiva, pedra que se colocava na porta que lhe mostrava um mundo cheio de atrativos.

COMO EU PODIA SER SEU TUDO, SE SEMPRE ME TRATOU COMO UM NADA?

Sou hoje para ti uma mulher de papel, letras bonitas podem ser vistas nos meus olhos, versos simples formam as partes do meu corpo, meus cabelos são todos feitos com fios da tua mais bonita ortográfia, mais meus lábios já não dizem verbos perfeitos pra ti.
Tens a consciência de que sou letra perdida num espaço tão vasto que jamais irás conseguir alcançar.
O fato é que depois de tanto me usar para fazer poesia, ao fim abandonastes teu caderno, teu oficio de escrever, se entregou ao oficio de ser mais um entre tantos outros mortais.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Artista




Leticia Brito

Estava finalmente só, mas só do que merecia, tudo a sua volta parecia repleto, tanto que ela conseguia se perder em meio as paredes de seu quarto.
No comodo vazio de sentido e mobilia podiam ser encontrados apenas uma cama, uma cadeira e um espelho que mostrava a ela o infinito. Suas janelas eram trancafiadas, nenhum raio ousava atravessar aquela prisão de madeira, naquela cadeia nem mesmo os sentimentos podiam entrar.
Era uma pedra bruta, trancada dentro de uma mina que fora a muito abandonada. Será que ninguém notou o brilho daquela que podia ser uma bela jóia? Se as pessoas não enxergam nem as flores que nascem na cidade, porque notariam tal presença?
Uma mulher solitária, um ser esquecido, esquisito, indiferente em sua existência, mais com olhos que conseguiam atravessar os infinitos muros das aparências humanas.
- Quando vão me libertar?
- Mas será que eu quero ser liberta.
Comia papel, bebia musica e arrotava poesia. Era artisitcamente linda, por isso fora trancada atrás daquelas grades, para que naquele hospital pisiquiátrico perdesse toda sua humanidade.
O artista sempre irá incomondar, pois ele sempre vai representar o humano que insiste em sonhar.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Rio Claro


Edson Bueno de Camargo

a flor da serralha
amarela meio Sol da tarde
meio gema de ovo cozido

as folhas escalas verdes
flor de todo lugar
e bombardeiros sementes
no vento sem peso

Rio Claro
a massa de ar carrega leve a rua
de braços abertos e olhos fechados
minúsculas ondas na areia
um deserto miniatura na porta da casa velha

abraçados pelo oxigênio do dia
corríamos descalços
como se livres dos sapatos
estivéssemos também da vida
minha avó no fundo da sala
(e seus bordados)
meu avô sentado nos degraus
pitando a palha

depois açúcar cristal de colherinha
com o gosto áspero de primeira infância
o que era simplicidade
para nós era um prêmio

eram verões de dias longos
camisa suada
e céu de aquarela
calças curtas
e canelas esfoladas de subir em jabuticabeiras

grandes bicicletas de aros longos
mal cabíamos de satisfação

perseguíamos o Sol
para que o dia não terminasse

sábado, 20 de junho de 2009

Fragmento,




Leticia Brito
Daria tudo por um pouco de café com biscoitos. O que mais uma pessoa poderia desejar numa manhã estupidamente gelada?
- Já pensastes em amar?
-Sim, mais minha fome e frio são maiores. Tens Café?
- Sinto muito, tenho apenas AMOR.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

sangue como tinta




de Edson Bueno de Camargo

assim se usasse sangue como tinta
talvez impressionasse os olhos dos ouvintes
e em grande pompa entraria na arena
onde outros imortais esperam

mas
de que adianta ser sob a sombra do ostracismo
por que fazermos tudo isso
se isso não é aquilo que esperam?

tu esperas dar poesia aos que não tem pão
mas poesia não se come
não cobre o corpo para dormires
mal serve de alento para as dores
e o cansaço do dia

ai daquele que confia sua dor aos outros
mal aventurado o que mente
o que planta sementes em terrenos estéreis
o que busca água nos desertos
o que despreza o mar por ser grandioso
e busca alento nos regatos das montanhas

o poeta e o louco da aldeia tem o mesmo destino
de acreditar que insensatez é verdade
de ter poder de criar mundos com palavras
melhor o palhaço que faz rir
e ri de todos
guardando o choro para o escondido das cortinas